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‘Um pesadelo que não acaba’: A luta de um filho, ao longo de uma década, na busca por justiça pelo assassinato do jornalista esportivo Valério Luiz de Oliveira

No dia 05 de julho de 2012, Valério Luiz de Oliveira Filho estava em casa esperando seu pai chegar para almoçar quando recebeu um telefonema de sua madrasta. “Vai pra rádio”, ela disse em prantos, segundo ele. “Seu pai tomou um tiro.” Seu pai, Valério Luiz de Oliveira, um conhecido jornalista esportivo na cidade de…

No dia 05 de julho de 2012, Valério Luiz de Oliveira Filho estava em casa esperando seu pai chegar para almoçar quando recebeu um telefonema de sua madrasta. “Vai pra rádio”, ela disse em prantos, segundo ele. “Seu pai tomou um tiro.”

Seu pai, Valério Luiz de Oliveira, um conhecido jornalista esportivo na cidade de Goiânia, capital do estado brasileiro de Goiás, estava dirigindo a caminho de casa após terminar seu programa diário na Rádio Jornal 820 AM quando foi atingido por diversos disparos e assassinado.

A investigação da Polícia Civil de Goiás, concluída em fevereiro de 2013, identificou cinco homens como os supostos perpetradores. Entre eles, o alegado mandante Maurício Borges Sampaio, então ex-vice-presidente do clube local de futebol Atlético Goianiense, que foi acusado de ter ordenado o assassinato em retaliação à cobertura jornalística crítica por parte de Oliveira.  

Menos de um mês antes do assassinato, a diretoria do Atlético havia enviado uma carta  para as emissoras PUC TV e Rádio Jornal, onde Oliveira trabalhava, informando que ambas estavam proibidas de entrar nas dependências do clube. A carta se referia a Oliveira como “persona non grata.”

Em março de 2013, o Ministério Público do estado de Goiás ofereceu denúncia contra todos os cinco homens por sua alegada participação no assassinato de Oliveira. Em Agosto de 2014, a 2ª Vara Criminal em Goiânia decidiu que os acusados deveriam ir a julgamento por júri popular. Desde então, no entanto, múltiplas apelações  por parte dos advogados de defesa, assim como decisões do Tribunal de Justiça de Goiás de adiar o julgamento diversas vezes, atrasaram o julgamento, como o CPJ reportou. Agora, o julgamento está marcado para começar em 02 de maio de 2022.  

O CPJ enviou email para a assessoria de imprensa do Atlético Goianiense mas não recebeu nenhuma resposta. Luiz Carlos da Silva Neto, advogado de Sampaio, respondeu ao email do CPJ anexando três petições, mas não respondeu ao pedido de comentário por parte do CPJ. Sampaio nega participação no crime.  

Valério Luiz Filho, advogado, está atuando como assistente de acusação no caso de seu pai, como permitido pelo Artigo 268 do Código Penal brasileiro. Em uma entrevista por vídeo, ele falou com o CPJ sobre sua década de luta por justiça e as expectativas em relação ao julgamento que se aproxima.  

A entrevista foi editada em termos de tamanho e clareza.

Valério Luiz de Oliveira Filho, filho do jornalista esportivo Valério Luiz de Oliveira, tem lutado por justiça pelo assassinato de seu pai por uma década. (Foto: Valério Luiz de Oliveira Filho)

Quais são algumas de suas lembranças sobre o trabalho do seu pai como jornalista?

Valério Luiz Filho: A carreira jornalística na nossa família começou com meu avô, Manoel de Oliveira. Ele nasceu no interior de Goiás, começou a vida como comerciante e, para atrair clientes, narrava jogos de futebol na porta das lojas onde trabalhava. Depois, começou a ajudar a minha bisavó em uma pensão que ficava próxima à radio Carajás. Meu avô dizia para os jornalistas que iam almoçar na pensão que ele sabia narrar jogo de futebol. Até que um dia um dos jornalistas convidou meu avô para ir à rádio e a rádio Carajás contratou meu avô para ser repórter.

Anos mais tarde, meu avô veio para Goiânia com a família. Eles se estabeleceram na região da cidade conhecida como Setor Campinas, que é onde fica o estádio do Atlético Goianiense. Meu pai foi criado ali, cresceu como torcedor do Atlético, e chegou a jogar nas categorias de base do Atlético, mas não se profissionalizou.

Meu avô chegou a ser o chefe das duas maiores equipes esportivas de duas rádios, e meu pai cresceu neste ambiente. O primeiro emprego do meu pai foi de “puxador de fio”, que é uma profissão que nem existe mais. Eu me lembro disso quando eu era criança. Na beira do campo no fim do jogo, ficava um emaranhado de fios das emissoras, e alguém tinha que puxar o fio para os jornalistas poderem se locomover. Meu pai fazia isso. 

Quando meu pai foi assassinado, ele tinha 30 anos de carreira e, durante uma grande parte, ele trabalhou com meu avô. Em 2011, meu pai decidiu ir para a emissora PUC TV, onde ele achava que poderia desenvolver uma linha de jornalismo crítico mais independente. Era o que ele queria fazer. Ele estava super empolgado com o trabalho. Mas, em 2012, ele começou a dizer que não queria mais trabalhar como jornalista, que não queria mais ser comentarista de futebol. Isso foi uma mudança muito rápida e muito radical. Acho que ele já imaginava que algo pudesse acontecer, mas provavelmente não imaginava que seria uma mini-operação de guerra.

O homem acusado de ser o mandante do assassinato do seu pai era vice-presidente do Atlético. Como você se sente em relação a isso?  

É uma sensação muito ruim. Depois do assassinato, ele foi presidente do Atlético duas vezes e está lá até hoje como conselheiro. Quando o Atlético é questionado sobre isso, eles dizem que o clube não tem nada a ver com isso, pedem respeito ao histórico do clube. Eles fazem uma distinção entre as pessoas e a instituição. Mas, para mim, é uma sensação muito estranha.  

Você é advogado e está atuando como assistente de acusação no processo contra os acusados de matarem seu pai. Por que você decidiu fazer isso?

Eu fui lá na cena do crime e vi meu pai dentro do carro antes dos bombeiros retirarem o corpo dele. Em situações como essa, você toma determinadas decisões. Uma das decisões que eu tomei é que quem fosse responsável por aquilo ali ia ter que pagar. E a forma como eu posso colaborar para que isso aconteça é me habilitar no processo como assistente de acusação.

Um caso de homicídio em que não tem um representante da família como assistente de acusação tem menos chances de ir adiante no sistema de justiça, especialmente a depender da situação social do réu. A responsabilização penal de pessoas com poder é difícil, e a assistência de acusação por parte das famílias das vítimas é fundamental.

Seu avô também era jornalista. Como o assassinato do seu pai afetou vocês e a sua relação?

Desenvolvemos uma relação muito próxima na luta por justiça. Uma relação de companheirismo em torno de um objetivo em comum tão caro para ele quanto para mim. Parte da visibilidade que o caso teve se deve ao meu avô e a habilidade dele de mobilizar as pessoas, a imprensa. Meu avô morreu ano passado de câncer, sem ver a justiça ser feita. Eu sei que era a vontade dele que eu continuasse aquilo que ele começou.

O assassinato do seu pai teve uma cobertura significativa na imprensa. Qual tem sido o impacto desta cobertura?

Meu avô tinha cerca de 50 anos como jornalista e meu pai, 30. Eles eram muito conhecidos aqui. Então, o crime teve uma repercussão grande. A cobertura da imprensa sobre o assassinato do meu pai tem sido fundamental. Ninguém comete um crime desse esperando ser preso. A pessoa faz isso porque acha que vai conseguir se livrar de alguma forma. Eu imagino que quem fez isso supôs que, com o tempo, o caso seria esquecido.

No Brasil, a gente convive com tragédia todo dia e isso, de certa forma, anestesia um pouco a sensibilidade das pessoas. Acho que os assassinos do meu pai contavam com isso, que a morte dele seria “a tragédia do dia” e que, no dia seguinte, ninguém falaria mais sobre isso. Mas não foi o que aconteceu.

Como tem sido essa década de luta por justiça? 

Foram dez anos profundamente estressantes. Parece que eu estou em um pesadelo que não acaba. Todos os anos foram conturbados e marcados pelos nossos esforços para que o caso fosse solucionado e que haja um julgamento. Cada tentativa dos acusados de protelar o julgamento gera uma tensão. A mobilização tem que ser permanente. A cada recurso da defesa, a gente fica tenso e com medo de que o julgamento seja adiado de novo, de que não haja justiça.

Desde o começo a nossa única arma foi a visibilidade. Quando você joga luz, quando mais pessoas estão olhando, fica mais difícil que alguém atue para o interesse privado e não para o interesse público. Nossa estratégia desde o início era para que tudo fosse feito às claras. Quando as coisas acontecem às claras os agentes públicos agem da forma que a lei determina.

Quase dez anos após o assassinato, o julgamento agora está marcado para 02 de maio. O que você espera que aconteça?

Existe uma expectativa grande sobre o desenrolar o do caso e toda a mobilização que tem sido necessária para que o caso vá a julgamento. O resultado vai ter uma repercussão na sociedade.

Se os acusados forem à julgamento e forem condenados, a mensagem é de que se mobilizar por justiça é difícil, mas vale a pena. E, se eles não forem condenados, a mensagem é de que, aqui, é melhor não mexer com certos tipos de pessoa.

A justiça nesse caso é do interesse público. A resolução deste caso pode trazer maior segurança para a liberdade de expressão e de imprensa, ou pode trazer maior temor, dependendo do resultado.  

Espero que as tentativas dos advogados de defesa para protelar o julgamento não prosperem e que realmente aconteça o julgamento no dia 02 de maio.

Idealmente, o que seria justiça para você? 

Meu pai foi morto na porta do lugar em que ele trabalhava, à luz do dia, como se fosse um nada, alguém que pudesse ser descartado. A justiça nesse caso significa impor a essas pessoas que cometeram o crime o reconhecimento do valor daquilo que eles tiraram.

É como se a sociedade, a lei, dissesse para eles: isso que vocês destruíram, essas pessoas que vocês destruíram, isso importa. E a justiça é para que eles percebam o valor daquilo que eles tiraram.


This content originally appeared on Committee to Protect Journalists and was authored by Renata Neder.


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